Sinais explícitos, aportados ao público de forma dramática, demonstram a inversão de valores daqueles que sustentam a necessidade de flexibilização de ações de licenciamento e de fiscalização relacionadas ao meio ambiente. De certa forma, uma oportunidade para que as tão conhecidas pressões políticas e econômicas setoriais, que enfraquecem as estruturas públicas da área ambiental, ao longo dos anos, sejam reconsideradas pelos novos governantes, abrindo necessário espaço à evidente demanda de moralização e intensificação de processos de controle.
Está exposto um duro recado sem emendas. Uma situação grave que impõe profunda reflexão dos novos gestores públicos. São eles que terão a prerrogativa de dar o tom na gestão ambiental do País: seguindo uma retórica de priorizar o atendimento a favores setoriais extrapolados ou estabelecendo uma nova agenda que respeite os limites no uso e na exploração do patrimônio natural de nosso País.
As últimas eleições, a exemplo do que sempre ocorre em outros pleitos, tiveram amplo lastro de setores da economia em relação a temas que dizem respeito ao meio ambiente, uma prática amplamente difundida. Longe de existir preocupação com a proteção da natureza e com o bem-estar da população, esses atores, reiteradamente, reclamam estar impedidos de viabilizar seus empreendimentos, ao menos da maneira com a qual pretendem.
Em troca do apoio nas eleições, participado a muitos dos candidatos, um pedido padrão passou a ser explorado na mídia recente, como discurso diário de muitos governantes: conter a “fome insaciável de agências ambientais em fiscalizar e emitir multas”. Também é parte dessa pauta a existência de uma “legislação inapropriada”, que dificulta licenciamentos, engessa os negócios e inibe investimentos com alta capacidade de gerar lucros e empregos. Enfim, do ponto de vista desses atores, um entrave ao desenvolvimento do País que deve ser desestruturado para não incomodar mais.
Tal cenário, uma vez mantido em pauta, limitará ainda mais o cumprimento da legislação ambiental e o incentivo a práticas responsáveis para discernir, com isenção e boa técnica, sobre a viabilidade de empreendimentos potenciais, com base no conjunto de seus impactos. Essa má condição de trabalho, que já é parte da realidade do dia a dia, permite que muitas irregularidades e excessos não sejam contestados adequadamente.
O discurso do desenvolvimento a qualquer custo se tornou mais explícito nos dias atuais, lastreado por amplos esforços de propaganda em busca de um verdadeiro endeusamento de alguns setores da economia. O objetivo é blindá-los de obrigações e permitir, cada vez mais, avanços no atendimento de seus interesses próprios. O recente fenômeno de Brumadinho, alçado à categoria de catástrofe sem precedentes, coloca de forma mais aguda a incoerência dessa forma viciada de tratamento dos temas relativos ao meio ambiente.
De fato, há uma intenção declarada em dar continuidade ao desmonte dos órgãos ambientais, objetivo anunciado nas últimas campanhas eleitorais. E não se trata de uma agenda limitada a esse ou aquele partido. Pela capacidade de influência implantada, trata-se de uma causa aceita e defendida praticamente pelo conjunto dos políticos brasileiros, com honrosas e pontuais exceções. Um verdadeiro rolo compressor que precisa ser adequadamente entendido pela sociedade.
O exacerbado poder econômico e político setorial, capaz de manipular de forma muito contundente os poderes constituídos, impede uma atuação consistente de instâncias públicas responsáveis por ações de licenciamento e fiscalização no campo ambiental. Estas, cada vez mais débeis e suscetíveis a todo o tipo de pressões. Consequências calamitosas, agudas ou crônicas, difundidas em diversas atividades, são decorrentes dessa postura totalmente desviada do interesse público.
Há um ambiente de permissividade instalado na sociedade brasileira, que garante que a agenda de interesses suplante sistematicamente posicionamentos técnicos e de coerência com o que representa o interesse público. Seria ingenuidade não reconhecer a nossa própria cultura, baseada em valores frágeis e que assimila de forma muito pouco reativa desvios de conduta dessa natureza.
Vale lembrar nossa origem histórica essencialmente extrativista e calcada na busca por resultados para ganhos próprios, mesmo quando há evidência de prejuízos a terceiros. É notório que, não fosse o horror das centenas de óbitos da tragédia mais recente, os aspectos ambientais pesariam substancialmente menos no que se refere à comoção que temos presenciado.
Esse caldo de má influência e a sua tendência de progressão se sustentam, portanto, numa real possibilidade no incremento da atuação de instâncias externas aos governos, garantindo a cooptação de órgãos ambientais para o atendimento aos seus interesses.
Mas é fundamental permitir que se estabeleça, por uma questão de senso de oportunidade e de sobrevivência política, uma visão dissonante das tendências mais óbvias e medíocres. Os recentes passos mais cautelosos do governo federal em relação ao meio ambiente, com a manutenção do Brasil no Acordo de Paris e do reconhecimento tácito da necessidade de maior rigor em processos de licenciamento e fiscalização, embora em parte dissimulado, podem representar sinais de alguma esperança.
Em outras palavras, uma agenda virtuosa de desenvolvimento representa uma equação simples, embora dependa criticamente de pré-requisitos básicos, como honestidade e boas intenções: implica no reconhecimento da importância da agenda ambiental e do respeito aos direitos humanos, com a implantação de uma política séria de gestão ambiental e a limitação drástica das influências setoriais exacerbadas. Um caminho pavimentado para a atração de investimentos e novos negócios, e consequentemente para avanços da economia do Brasil e do bem-estar de toda a sociedade.
Por Clóvis Borges*
*Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.