Por Marcelo Ayres Carvalho, Allan Kardec Braga Ramos e Gustavo José Braga*
Muitas pessoas, certamente, já usaram essa frase após a compra de algum bem ou produto. Essa expressão popular é utilizada para descrever uma situação em que o comprador economizou de um lado, mas, na prática, perdeu muito mais que economizou. No caso da escolha do cultivar forrageiro a ser utilizado na implantação ou renovação de pastagens, essa situação ocorre com muita frequência.
De acordo com pesquisa realizada pela Scot Consultoria, em 2019, com pecuaristas de corte, o principal fator para a decisão da escolha do cultivar a ser utilizado é o preço da semente. Esse fato representa um grande paradoxo quando constatamos o baixo custo relativo representado pela aquisição das sementes no custo de formação ou recuperação dos pastos. A disponibilidade de cultivares melhoradas mais produtivas, fruto do avanço no desenvolvimento tecnológico da pecuária de corte nacional, reforça ainda mais essa contradição.
A pecuária de corte no Brasil atingiu, nos últimos anos, patamares de produtividade jamais alcançados anteriormente. Como resultado desses ganhos de produtividade, o PIB da pecuária de corte em 2019 representou 8,5% do PIB do País, um valor de R$ 619 bilhões, de acordo com o Beef Report 2020, publicado pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC). O rebanho bovino é de 213,68 milhões de animais, sendo que em 2019 foram abatidos 43,3 milhões de cabeças. No entanto, a área de pastagem no País foi reduzida em 23 milhões de hectares nos últimos 20 anos. Assim, a taxa de lotação média saiu de 0,71 UA/ha em 1999 para 1,06 UA/ha em 2019. Esses números renderam ao Brasil o posto de maior exportador mundial de carne bovina, resultando em 2,4 milhões de toneladas de equivalente em carcaça em 2019. A carne bovina produzida no Brasil alimenta a população de mais de 154 países (ABIEC, 2020).
Nesse contexto, até o mais distraído dos analistas ficaria, ao menos, confuso com o fato do preço da semente da forrageira ser o principal fator para tomada de decisão de qual cultivar utilizar. Um grande volume de sementes comercializado no País ainda é representado por cultivares que estão no mercado desde os anos 1970 e início dos anos 1990. Os dois principais gêneros de espécies forrageiras tropicais utilizados em pastagens no Brasil são Brachiaria e Panicum. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), as cultivares de braquiária representaram 78% do volume total de sementes comercializadas em 2019. Desse volume, o cultivar Marandu (Brachiaria brizantha), liberada comercialmente no ano de 1984, foi responsável por 44% das vendas. Se somado ao volume de vendas das espécies B. ruziziensis e B. decumbens, introduzidas no Brasil no início dos anos 1970, os valores chegam a quase 80% do volume de sementes de cultivares de braquiária comercializados no Brasil. As cultivares da espécie Panicum maximum representam 19% do volume total comercializado. Desse volume, a cultivar Mombaça, liberada comercialmente em 1993, é responsável por 52% das sementes de P. maximum negociadas. O cultivar Massai, lançado em 2001, é responsável por outros 24% do total de sementes comercializadas da espécie. Somados, esses cinco cultivares foram responsáveis por mais de 60% das sementes de cultivares de forrageiras tropicais negociadas no País em 2019.
Qual atividade econômica opera com tecnologias tão ultrapassadas como a pecuária no Brasil? Essa pergunta leva a outra cuja resposta deveria promover um grande esforço por parte de todos os atores que atuam no setor produtivo da carne e do leite. Qual seria o impacto na produtividade animal e, consequentemente, no PIB do setor, se tecnologias mais modernas fossem incorporadas pelos produtores?
Nos últimos 10 anos, as empresas privadas e instituições de pesquisa públicas nacionais disponibilizaram mais de 15 novos cultivares de gramíneas forrageiras melhorados. Dentre as braquiárias destacam-se os cultivares BRS Piatã, BRS Ipyporã, BRS Tupi e BRS Paiaguás. Dentre os Panicum, podemos listar os cultivares BRS Tamani, BRS Zuri e BRS Quênia. Todos esses cultivares são recomendados para uso em diferentes ofertas ambientais, regiões do Brasil, tamanhos de propriedades, níveis tecnológicos da atividade e tipos de exploração (ciclo completo, cria, recria e engorda). Adicionalmente, estão disponíveis cultivares de espécies leguminosas que podem também ser utilizadas para formação de pastagens. São elas: estilosantes Bela e Campo Grande, guandu BRS Mandarim e amendoim forrageiro BRS Mandobi. Esse portfólio de tecnologias de forrageiras contribui para a diversificação de pastagens, aumento de eficiência, incremento de produtividade, maior longevidade das pastagens e, por fim, uma pecuária mais sustentável.
Apesar do preço da semente ser o principal fator que influência a decisão do produtor para a escolha do cultivar forrageiro, de acordo com o Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (IFAG) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Goiás), o custo das sementes representa entre 2 e 4% do custo total de implantação e manutenção de 1 hectare de pastagem (R$ 72,80) de Brachiaria brizantha Marandu, com nível tecnológico médio. Em valores de junho de 2020, o custo total dessa operação é de R$ 3.711,77. Desse total, despesas com máquinas e implementos, corretivos e fertilizantes são responsáveis por quase 90% do custo total de implantação. Mesmo se considerarmos um produtor menos tecnificado, que não utiliza corretivos e fertilizantes para a renovação da pastagem, os custos com sementes alcançariam no máximo 15% dos custos totais. De posse desses números, a lógica por trás da definição do cultivar a ser plantado carece de qualquer racionalidade. Quando consideramos que se trata de um cultivo perene, que será utilizado por pelo menos cinco a anos, a decisão de usar uma tecnologia ultrapassada, desenvolvida no século passado, há mais de 30 a 50 anos, atrasa sobremaneira o incremento de produtividade e os ganhos em eficiência, que são a marca da agricultura brasileira.
Para demonstrar o impacto do uso de cultivares melhoradas modernas na produtividade das pastagens e, consequentemente, no resultado financeiro do negócio, vamos analisar alguns exemplos, considerando que os padrões de qualidade das sementes são os mesmos e o nível tecnológico do sistema é médio:
1) Comparação entre as cultivares de braquiária Marandu e BRS Piatã:
Custo da semente de Marandu para formar 1 ha
R$ 8/Kg
Taxa semeadura: 8kg/ha
Custo da semente por hectare: R$ 64
Produtividade (kg/ha/ano): 150 (10 @)
Resultado por hectare: 10 @ x R$ 200 = R$ 2.000
Custo da semente de Piatã para formar 1 ha
R$ 12/Kg
Taxa semeadura: 8kg/ha
Custo da semente por hectare: R$ 96
Produtividade (kg/ha/ano): 172,5 (11,5 @)
Resultado por hectare: 11,5 @ x R$ 200 = R$ 2.300
Em resumo, o uso de uma cultivar melhorada moderna teve um impacto no custo das sementes de R$ 32 (50% superior), mas o resultado por hectare, descontando-se a diferença no valor das sementes, foi R$ 268 superior (13%). Considerando que essa pastagem será utilizada por seis anos e as diferenças de produtividade serão mantidas (15%), ao final desse período o hectare de pasto com a cultivar BRS Piatã terá resultado em R$ 1.608 (8 @) a mais que o resultado obtido pelo cultivar Marandu.
2) Comparação entre as cultivares de braquiária BRS Piatã e BRS Paiaguás:
Custo da semente de Piatã para formar 1 ha
R$ 12/Kg
Taxa semeadura: 8kg/ha
Custo da semente por hectare: R$ 96
Produtividade (kg/ha/ano): 172,5 (11,5 @)
Resultado por hectare: 11,5 @ x R$ 200 = R$ 2.300
Custo da semente de BRS Paiaguás para formar 1 ha
R$ 16/Kg
Taxa semeadura: 8kg/ha
Custo da semente por hectare: R$ 128
Produtividade (kg/ha/ano): 217,5 (14,5 @)
Resultado por hectare: 14,5 @ x R$ 200 = R$ 2.900
Em resumo, o uso de uma cultivar melhorada moderna teve um impacto no custo das sementes de R$ 32 (50% superior), mas o resultado por hectare, descontando-se a diferença no valor das sementes, foi R$ 568 superior (25%). Considerando que essa pastagem será utilizada por seis anos e as diferenças de produtividade serão mantidas (25%), ao final desse período o hectare de pasto com a cultivar BRS Paiaguás terá resultado em R$ 3.408 (17 @) a mais que o resultado obtido pelo cultivar BRS Piatã.
3) Comparação entre as cultivares de Panicum Mombaça e BRS Zuri:
Custo da semente de Mombaça para formar 1 ha
R$ 11/Kg
Taxa semeadura: 10kg/ha
Custo da semente por hectare: R$ 110
Produtividade (kg/ha/ano): 450 (30 @)
Resultado por hectare: 30 @ x R$ 200 = R$ 6.000
Custo da semente de Zuri para formar 1 ha
R$ 16/Kg
Taxa semeadura: 10kg/ha
Custo da semente por hectare: R$ 160
Produtividade (kg/ha/ano): 500 (33,3 @)
Resultado por hectare: 33,3 @ x R$ 200 = R$ 6.660
Em resumo, o uso de uma cultivar melhorada moderna teve um impacto no custo das sementes de R$ 50 (32%) e foi R$ 610 superior (10%). Considerando que essa pastagem será utilizada por seis anos e as diferenças de produtividade serão mantidas (10%), ao final desse período o hectare de pasto com a cultivar BRS Zuri terá resultado em R$ 3.660 (18,3 @) a mais que o resultado obtido pelo cultivar Mombaça.
Além disso, ao se basear apenas no preço das sementes e utilizar cultivares ultrapassadas, o produtor corre o risco de adquirir sementes de origem duvidosa, fora dos padrões de qualidade estabelecidos pelas normas do MAPA, produzidas sem fiscalização e comercializadas sem nota fiscal ou de forma ilegal. Aumenta-se o risco de introdução de pragas e doenças nas áreas da fazenda e falhas de plantio, que irão comprometer a produtividade e a longevidade das pastagens, demandando mais investimentos para recuperação ou renovação dos pastos e, consequente, redução dos lucros da atividade. Esse ciclo vicioso, ou “escada descendente da degradação” de pastagens, além de contribuir para a perda sistêmica de rentabilidade do negócio, pode culminar inclusive na saída da atividade. Adicionalmente, pastagens improdutivas contribuem para a degradação ambiental e a redução do valor da terra.
Assim, fica evidente que decidir qual cultivar utilizar com base no preço das sementes não se justifica. Ao final, esse é o verdadeiro barato que sai caro.
*Marcelo Ayres Carvalho, Allan Kardec Braga Ramos e Gustavo José Braga são pesquisadores da Embrapa Cerrados