Há décadas, a maior parte das pesquisas do setor leiteiro foram voltadas para a manipulação da composição do leite, principalmente dos teores de proteína e gordura; buscando compreender como a dieta, raça e sanidade influenciam esses componentes. Também tem procurado acompanhar à crescente demanda do consumidor por alimentos que, além de alimentar, promovam saúde, os chamados alimentos nutracêuticos ou funcionais.
Estes alimentos possuem em sua composição nutrientes com efeitos benéficos específicos para a saúde, ou seja, possuem nutrientes que além do valor nutritivo, desempenham um papel a mais, muitas vezes o de prevenir doenças. Por exemplo, a canola e a soja são ricas em gordura do tipo ômega 6 e 9, a linhaça em ômega 3 e antioxidantes. Esses, além de fornecerem energia, têm mostrado ser moléculas bioativas pois podem prevenir doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e outras doenças em animais e humanos.
Dessa forma, a ciência da nutrição, tanto humana quanto animal, tinha antes abordagens com descrições mais clássicas da composição em nutrientes dos alimentos, o quanto determinado alimento atende as exigências nutricionais de proteína, fibra, energia, etc. e qual seria a influência na composição do produto em questão. Atualmente, diante das novas técnicas de análises químicas e avanços na área de bioinformativa, a ciência da nutrição tem caminhado para abordagens mais sistêmicas e detalhadas que levam em consideração desde custos sociais e ambientais até a influência dos nutrientes na expressão de genes. Ao estudo da possível influência que os nutrientes têm na expressão de genes, ou no genoma de um indivíduo, dá-se o nome nutrigênomica.
O que permite estudos zootécnicos de genômica, transcriptômica, nutrigenômica, metabolômica, proteômica, lipidômica e demais ‘omics’ são técnicas como a de PCR e de espectrometria de massas. Estas técnicas permitem caracterizar e quantificar as estruturas químicas de compostos de interesse. Por exemplo, há possibilidade de quantificar fragmentos de DNA, determinar da composição e quantificar cada aminoácido das proteínas, identificar e quantificar ácidos graxos de lipídios, realizar estudo de fatores alergênicos, contaminantes, hormônios, avaliações de alterações genéticas entre outros. Tudo isso podendo ser medido em picogramas, o que equivale a 0,000000000001 grama, ou seja, uma quantidade extremamente pequena.
Na bovinocultura de leite já existem diversos trabalhos publicados utilizando essas técnicas, e que avaliaram a influência da dieta na expressão de determinados genes. Como mencionado, a linhaça é uma fonte de gordura (energia) rica em ômega 3 e também em antioxidantes, compostos esses que tem mostrado, entre outros benefícios, reduzir o colesterol, cânceres e problemas cardiovasculares em humanos e animais. Pesquisas realizadas pela equipe da Dra. Hélène Petit no Canadá, país grande produtor de linhaça, em parceria com a equipe do Professor Dr. Geraldo Tadeu dos Santos, do Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual de Maringá, mostraram que o fornecimento de linhaça inteira (4,2% da MS da dieta) a vacas em lactação tendeu a melhorar a composição da gordura do leite, enriquecendo-a com 32% mais ômega 3. Além de produzir um leite mais magro, com aproximadamente 29% menos gordura e 57% mais ômega 3 quando as vacas receberam 1,9% de óleo de linhaça protegido (Gráfico 1).
Já o fornecimento de 11% de linhaça inteira na MS da dieta ou de 9% de farelo de linhaça, como fontes de gordura ômega 3 e antioxidantes, mostrou aumento de 100% e 69%, respectivamente, na concentração de ômega 3 no leite. Além de um aumento médio de 179% na concentração de compostos com propriedades antioxidantes (enterolactona), sem comprometer o volume de leite produzido, ou seja, as vacas alimentadas com alimentos ricos em ômega 3 e antioxidantes produzem naturalmente um leite com maior valor agregado, visto os efeitos benéficos que estes compostos trazem para a saúde de quem o consome (Gráfico 2).
Gráfico 1. Diferença na concentração de ômega 3 no leite de vacas alimentadas com dieta comum, dieta contendo 4,2% de linhaça na MS da dieta, dieta contendo 1,9% de óleo protegido com sais de Ca, e dieta contendo a 2,3% de linhaça mais o 0,8% de óleo.
Fonte: adaptado de Côrtes et al., 2010.
Gráfico 2. Diferença na concentração de ômega 3 e antioxidante (enterolactona) no leite de vacas alimentadas com dieta comum, dieta contendo 11% de linhaça na MS da dieta e dieta contendo 9,4% de farelo de linhaça.
Fonte: adaptado de Petit et al., 2009.
O aumento, por meio da dieta, na concentração de antioxidantes junto com o aumento de gorduras insaturadas no leite, como é o caso do ômega 3 e 6, é importante, uma vez que esse tipo de gordura é mais suscetível a deterioração, aumentando assim a presença de radicais livres, e os antioxidantes atuam evitando esse processo tanto no leite quanto no metabolismo do animal. Em outras palavras, os antioxidantes aumentam o tempo de validade do leite enriquecido com gordura insaturada e também previnem o aparecimento de doenças metabólicas nas vacas.
Em outro estudo, realizado pela Professora Doutora Francilaine Eloise De Marchi membro da equipe dos mesmos pesquisadores, o fornecimento de 14% de farelo linhaça, como fonte de antioxidante, e 250 g/dia de óleo de girassol protegido, como fonte de energia e ômega 6, mostrou efeitos em nível de DNA inibindo ou estimulando a expressão de genes envolvidos no metabolismo oxidativo e de gordura na glândula mamária.
Dentre outras respostas, foi observado que vacas que receberam apenas o óleo de girassol tiveram aumento na expressão de genes que codificam a enzima superóxido dismutase (SOD) e este mesmo gene foi inibido em vacas que consumiram óleo e farelo. Essa enzima faz parte do sistema de defesa do organismo contra os radicais livres e, consequentemente, ajuda na manutenção da saúde do animal. Essa resposta observada na pesquisa sugere que os antioxidantes do farelo atuam como um mecanismo de defesa para reduzir os radicais livres fornecidos pelo óleo, ajudando assim a preservar saúde da glândula mamária em dietas onde há fornecimento de óleo como fonte de energia.
Ainda, o fornecimento apenas do óleo diminuiu a expressão dos genes PPARG1 e PPARG2. No organismo a expressão desses genes induz a produção e deposição de gordura em muitos tecidos e tipos de células, incluindo tecido gorduroso, músculos, fígado, pâncreas, cólon, ossos e placenta, sendo relacionados a expansão das reservas corporais de gordura e maior resposta das células à resistência à insulina. Dessa forma, os resultados da pesquisa sugerem que o óleo de girassol induziu a menor deposição de gordura no tecido mamário e tendeu a produção de um leite naturalmente mais magro.
Já as vacas que se alimentaram de farelo de linhaça tenderam a redução na expressão do gene NF-κB1. Este gene é um dos genes que desempenham papel fundamental no controle da resposta inflamatória e processos tumorais, sendo que a alta atividade deste gene tem sido relacionada à quadros patológicos. Dessa forma, os resultados sugerem que a suplementação com farelo de linhaça (fonte de antioxidantes) pode ter contribuído para diminuir processos inflamatórios e morte celular na glândula mamária (Gráfico 3). Outro resultado interessante é que a suplementação com antioxidantes na dieta poupou o sistema de defesa natural da glândula mamária contra radicais livres, uma vez que, as vacas que receberam o farelo de linhaça não tiveram alteração na expressão de genes que estimulam a síntese de enzimas que combatem os radicais livres, mesmo quando os animais receberam óleo na dieta.
Gráfico 3. Diferença na expressão de genes relacionados ao metabolismo oxidativo, medido pela abundância de RNAm na glândula mamária de vacas alimentadas com dieta comum, dieta com 250g de óleo de girassol por dia, dieta contendo 14% de farelo de linhaça (MS da dieta) e dieta contendo farelo de linhaça e óleo.
Fonte: adaptado de De Marchi et al., 2015.
O aumento de produtividade das vacas, que implica em maior exigência nutricional, principalmente em energia, e a exigência do consumidor por produtos de boa qualidade são desafios da cadeia produtiva de leite e de grãos. Existem no Brasil e vem sendo estudados, outros alimentos que são fontes de ômega 3, ômega 6 e antioxidantes, que também podem ser fornecidos a vacas leiteiras e induzir respostas semelhantes.
Fonte: Milk Point Por Francilaine Eloise de Marchi e Geraldo Tadeu dos Santos
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