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Cientistas brasileiros criam circuitos genéticos que permitem “ligar” e “desligar” genes

Uma tecnologia inovadora que utiliza enzimas de vírus bacteriófagos para “ligar” e “desligar” genes de interesse de plantas e animais é a base de um pedido de patente recém-depositado pela Embrapa. Ela permite, por exemplo, que uma planta apresente resistência à seca somente quando, e se, for submetida a condições de estresse hídrico.

Os vírus bacteriófagos têm a capacidade natural de infectar bactérias. Eles se aderem à parede celular desses organismos, perfuram-na e injetam seu DNA. Observando esse processo natural, os cientistas perceberam que seria possível utilizar esses microrganismos como ferramentas genéticas para controlar a expressão de genes. Além disso, o fato de os vírus serem o grupo biológico mais abundante do planeta garante aos cientistas vasta quantidade de material genético para trabalhar.

Os cientistas também descobriram que os vírus bacteriófagos, ou fagos, como também são conhecidos, têm a capacidade de integrar seu próprio genoma ao da bactéria. Esse processo é mediado por enzimas denominadas integrases, capazes de integrar o genoma do vírus ao do organismo hospedeiro, no caso, as bactérias.

Biocircuitos funcionais em diferentes locais dos genomas

A utilização de integrases de bacteriófagos como ferramentas genéticas já é realidade na biotecnologia há mais de 25 anos para diversas aplicações, como explica o principal inventor da tecnologia, o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF) Elibio Rech. A novidade desenvolvida pela equipe brasileira é utilizar seis enzimas do tipo serina-integrases em diferentes locais do genoma, possibilitando a formação de biocircuitos funcionais.

Segundo o pesquisador, “as integrases promovem a quebra e ligação de sequências de DNA em pontos específicos, resultando em rearranjos genéticos precisos,” detalha. Isso faz com que seja possível atuar exatamente nos trechos de interesse do código genético. Pode-se, por exemplo, silenciar um trecho que expressaria uma doença genética, ou fazer com que um gene responsável por resistência ao calor se expresse. “Tratam-se de ferramentas eficientes e versáteis para aplicações em biologia experimental, biotecnologia, biologia e terapia gênica,” declara Rech.

O cientista explica que, ao introduzir a integrase no DNA de uma planta ou animal, ela é capaz de inverter a sequência genética, impedindo que a cadeia de proteínas seja reconhecida e, por consequência, que o gene se expresse. Em linguagem mais coloquial, ela é capaz de “desligar” a função daquele gene. Quando retirada, o gene é expresso, ou seja, “religado”.

Adaptação à seca, combate ao câncer e sensor de poluição

Um exemplo concreto é a indução de tolerância em plantas a estresses climáticos, como por exemplo, a seca. Segundo o pesquisador, a tecnologia abre a possibilidade de colocar em um mesmo produto as integrases para “ligar” e “desligar” a expressão dos genes de tolerância. “Ou seja, quando submetidas à seca, os genes são ativados, e, após o término dessa estação, desativados”, complementa.

Esse é apenas um dos exemplos, mas as aplicações podem incluir expressões gênicas relacionadas a outros estresses climáticos e ambientais, além de resistência a doenças em plantas e animais. “As aplicações mais emocionantes e promissoras das integrases de vírus bacteriófagos, particularmente de serina, estão na montagem de rotas metabólicas e circuitos genéticos porque permitem reconstruir vias metabólicas inteiras, ligando e desligando genes específicos no genoma”, prevê o pesquisador.

Os testes que comprovam a eficácia da metodologia foram feitos com seis tipos diferentes de integrases, em células de plantas (protoplasto de Arabidopsis thaliana), de animais (fibroblasto de bovino) e humanas (célula tumoral) e demonstraram forte potencial de aplicação da metodologia não apenas para a pesquisa agronômica, mas também para pesquisas na área de veterinária e saúde humana. Neste último caso, pode-se vislumbrar, por exemplo, a utilização de determinada integrase para interromper o processo de divisão celular de um tumor cancerígeno. Outro exemplo de utilização da metodologia seria para controlar os níveis de poluição na água, em que a integrase emitiria um “sinal” quando a água alcançasse determinado nível de bactérias patogênicas a seres humanos.

Tecnologia aprimora edição de genomas por CRISPR

Outra contribuição do conhecimento patenteado é auxiliar a tecnologia mais promissora existente hoje na área de edição de genomas, o CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats). Grosso modo, o CRISPR funciona como um corretor ortográfico, permitindo “cortar” e “colar” genes de interesse no DNA de qualquer espécie, sem a inclusão de genes de outras espécies, a chamada transgenia. A edição de genomas permite desenvolver culturas agrícolas resistentes a pragas, corrigir genes defeituosos em animais e reescrever genomas inteiros de microrganismos.

Apesar de seu potencial altamente promissor, alguns casos de efeitos não alvo dessa tecnologia têm sido reportados, principalmente no que se refere à inserção de genes em locais aleatórios do genoma. Segundo Rech, a utilização de integrases em sinergia com as enzimas que cortam o genoma, usadas na tecnologia CRISPR, possibilita a inativação dessas enzimas após a edição de genomas, evitando efeitos indesejáveis de cortes inespecíficos no genoma.

Além disso, é possível vislumbrar a utilização de integrases como marcadores para inserção de cromossomos sintéticos no genoma hospedeiro com um benefício a mais: o potencial de ligar e desligar genes dentro dos cromossomos.

Para Rech, esse é mais um passo da pesquisa científica para aumentar o domínio tecnológico na geração de organismos modificados com as características desejadas pelo homem. “Embora interruptores e circuitos genéticos únicos estejam no estágio inicial de desenvolvimento, é possível prever um futuro, não muito distante, em que os interruptores múltiplos se tornem a norma, permitindo um controle cada vez mais preciso da regulação e expressão de genes em plantas e células de mamíferos para o desenvolvimento de processos e produtos inovadores em benefício dos seres humanos e do meio ambiente”, acredita o pesquisador.

A tecnologia que deu origem ao pedido de patente foi testada durante quase três anos nos laboratórios da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e com o Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os inventores da Embrapa são os pesquisadores Elíbio Rech, Andre Melro Murad, Leila Barros, Cristiano Lacorte, Eduardo de Oliveira Melo e Lilian Hasegawa Florentino. Da UnB participa Cintia Coelho e da Fiocruz, Martin Bonamino.

Biologia sintética: a imitação da vida em laboratório

Nada disso seria possível sem o domínio da biologia sintética, área da ciência à qual Rech se dedica há anos na Embrapa. “Trata-se de uma forte aliada dos cientistas na geração de produtos oriundos da biotecnologia e no seu desenvolvimento em larga escala, pois permite “copiar” os processos da natureza em laboratório”, explica.

A área integra conhecimentos de diferentes disciplinas, como biologia, química, física, matemática, informática, biotecnologia e engenharia para a projeção e construção de novas funções e sistemas biológicos gerados em laboratórios.

O objetivo da biologia sintética é criar formas de vida artificiais a partir de elementos naturais. Com isso, derruba as fronteiras entre o vivo natural e o tecnológico manipulável com o objetivo de gerar novos produtos, tecnologias e aplicações.

Fonte: Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento (SPD) Por Fernanda Diniz Irene Santana da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

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