Por Fernando Sampaio*
A posição do Brasil como o maior exportador mundial de carne bovina fez com que o mercado acelerasse o incremento de eficiência na produção. De fato, a incorporação da tecnologia na produção pecuária aumentou de tal forma a produtividade no Brasil nos últimos anos, que houve uma redução na área de pastagem do país (ver Gráfico 1). Nos últimos 17 anos, enquanto as exportações de carne bovina brasileira cresceram 719%, a área de pastagens no país diminuiu 3,6%[1]. Ao mesmo tempo, o rebanho, a produção e a exportação foram fortemente impulsionados pelo mercado.
Além da redução na pressão pela abertura de novas áreas, a incorporação da tecnologia ao setor resultou no menor uso de recursos naturais e na queda das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Em 20 anos, o Brasil reduziu em 29% as emissões de CO2 por quilograma de carne produzida – o melhor índice entre os grandes países produtores, segundo estudo da Universidade de São Paulo (USP).
Essas são algumas das contribuições do Brasil para a busca de respostas aos desafios mundiais relacionados ao aumento da produção de alimentos, ao mesmo tempo em que se preserva o meio ambiente.
Como definiu Henning Steinfeld, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, sigla em inglês), durante o Congresso Mundial da Carne de 2010: a “intensidade é chave”. Isso significa que, quanto mais a produção é intensificada, maior é a redução nas emissões de GEE por unidade. Tais objetivos foram corroborados por Bryan Weech, da World Wide Fund for Nature (WWF), na mesma ocasião: é preciso “produzir mais, com menos”. Nesse sentido, a evolução da pecuária no Brasil adquire destaque.
Contexto
O crescimento populacional, a urbanização acelerada, a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas representam desafios recentes e inéditos para as lideranças globais. O termo “desenvolvimento sustentável” foi criado para definir a busca pelo equilíbrio entre produção e crescimento econômico e a preservação do meio ambiente.
Atividade que ocupa boa parte da área antropizada no planeta, a pecuária é fonte de subsistência para cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo todo, segundo a FAO. É, por isso mesmo, peça fundamental da equação na busca por esse equilíbrio.
A população mundial emite, atualmente, cerca de 40 bilhões de toneladas de GEE por ano, das quais em torno de 15% são gerados pelos setores de leite e carne. Isso mostra que a pecuária tem muito a melhorar no nível global em termos de eficiência no uso de recursos naturais.
O Brasil tem uma história recente de ocupação territorial, e a pecuária desempenhou inegável papel na expansão das fronteiras agrícolas brasileiras. Contudo, como já mencionado, o incremento da produtividade permitiu a redução na área de pastagem ao mesmo tempo em que cresciam exponencialmente o rebanho, a produção e a exportação. Embora tenha sido acelerado nos últimos 17 anos, esse processo teve início muito antes disso.
Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), entre 1960 e 2010, a produção de carne no Brasil cresceu 3,36% ao ano. O incremento de produtividade foi responsável por 79% do aumento da produção, enquanto a expansão em área, por apenas 21%.
Ainda de acordo com a EMBRAPA, a expansão das áreas de pastagem no Norte do Brasil (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) representou menos de 6% do crescimento da produção no período entre 1996 e 2006. Os ganhos de produtividade na região tiveram um efeito “poupa-terra” sobre 73 milhões de hectares de terras.
O Código Florestal e o CAR
Ao mesmo tempo em que a eficiência crescia no campo e a produção aumentava, a sociedade brasileira reconhecia a necessidade da preservação da biodiversidade. Nesse sentido, foi aprovado o novo Código Florestal (2012), legislação ambiental extremamente avançada em comparação com outros países. O Código exige, por exemplo, a preservação de uma área de vegetação nas propriedades privadas em diferentes porcentagens, dependendo da região em que esse imóvel esteja situado no Brasil. Ainda, regula a proteção de encostas, lençóis d’água e nascentes, entre outros fatores.
O controle do Estado brasileiro sobre seu território também ganhou força com o uso de geotecnologia e com a implementação de mecanismos de controle previstos tanto no Código como no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Tornado obrigatório pelo Código Florestal, o CAR é o registro público eletrônico de todas as propriedades rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais e de posse da terra. Em conjunto com os dados de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o CAR constitui um sistema de controle extremamente robusto, que permitirá a rápida identificação (online) do desmatamento, fazenda por fazenda. Por determinação da lei, todas as propriedades rurais, independentemente de sua dimensão, devem estar registradas no CAR até maio de 2016.
Contribuição dos atores privados
Junto com instituições do Estado e da sociedade civil, o setor privado também teve sua participação na busca pelo equilíbrio entre desenvolvimento e aumento de produção com preservação ambiental, engajando ativamente as cadeias de fornecimento na redução do desmatamento. Recente estudo publicado por pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison (Estados Unidos) mostra a efetividade dos acordos da indústria da carne do Brasil com o objetivo de desenvolver cadeias sustentáveis.
Esses acordos foram assinados em 2009, quando os donos dos maiores frigoríficos do Brasil se comprometeram publicamente a comprar gado somente de fazendeiros que não mais contribuíssem para o desmatamento da Amazônia. Os pesquisadores concentraram o estudo no maior frigorífico do mundo e mapearam os locais e o histórico do uso da terra de cada um de seus fornecedores, antes e depois de 2009. O estudo conclui que esses acordos resultaram na queda radical do desmatamento nas fazendas que abastecem esse frigorífico. Segundo a pesquisa, 4 em cada 10 fornecedores haviam desmatado antes de 2009. Em 2013, esse número caiu para 4 em cada 100.
Ainda, somente 2% dos fornecedores do maior frigorífico do país haviam registrado suas propriedades no CAR antes de 2009. Nos primeiros cinco meses dos acordos, esse percentual saltou para 60% e, até 2013, quase todos os fornecedores já haviam providenciado o registro.
GTPS
Outra iniciativa inovadora no país foi a criação, em 2009, do Grupo de Trabalho para a Pecuária Sustentável (GTPS), que inclui atividades de toda a cadeia produtiva, dos insumos ao varejo, além de organizações não governamentais e instituições financeiras para debater e propor soluções aos desafios da sustentabilidade.
Em junho de 2013, o projeto foi aprovado e passou a receber recursos do Programa de Apoio ao Fazendeiro (FSP, sigla em inglês), da Holanda, gerido pela Fundação Solidaridad Network. Com o apoio do FSP, o GTPS ajuda a financiar um programa de aplicação e disseminação de boas práticas de gestão, incentivos aos produtores, os indicadores de progresso e os mecanismos de divulgação.
O Grupo começou com 7 projetos de unidades demonstrativas, desenvolvidos em 5 estados estratégicos (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia e Bahia), com forte presença no bioma da Amazônia. São 800 produtores e mais de 800.000 hectares já transformados para mostrar que é possível produzir mais, com menos. Agora, o GTPS está desenvolvendo, por meio de uma discussão ampla e participativa, seus próprios indicadores para avaliar essa transformação.
No final de 2014, o GTPS assinou um convênio com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) para divulgar internacionalmente as iniciativas brasileiras frente às demandas por responsabilidade socioambiental ao longo da cadeia de valor da pecuária. O objetivo do projeto é promover o desenvolvimento e fortalecer a imagem de sustentabilidade da pecuária brasileira no mercado internacional.
Impacto social
A sustentabilidade, é importante lembrar, baseia-se em um tripé ambiental, econômico e social. Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), o agronegócio responde por 22% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, e a pecuária representa 30% do agronegócio brasileiro.
O impacto dos ganhos de produtividade na pecuária brasileira também pode ser observado nos cálculos usados pela série histórica do Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (DIEESE) relacionados à cidade de São Paulo. Em junho de 2010, o preço da carne, medido em termos reais, era cerca de 30% menor do que os consumidores pagavam em novembro de 1973.
O aumento de produtividade permitiu a queda nos preços e contribuiu para que, no próprio Brasil, mais pessoas comessem carne. Além disso, o desenvolvimento do setor tem efeito direto sobre a redução da pobreza do país, na medida em que mais pessoas se beneficiam, direta ou indiretamente, de um sistema agroindustrial que movimenta US$ 170 bilhões no país, gerando emprego e renda em regiões carentes de oportunidades.
Conclusão
Às custas de muito trabalho, pesquisa e inovação, o sistema de produção de alimentos no Brasil tem criado um modelo de desenvolvimento cada vez mais eficiente no uso de recursos naturais e, portanto, cada vez mais capaz de associar produção à conservação.
Os avanços são inegáveis. Mais um exemplo é o projeto-piloto do GTPS no município de São Félix do Xingu (Amazônia), com uma área de 8,5 milhões de hectares, o equivalente a duas vezes e meia o tamanho da Bélgica. O projeto está localizado dentro do município que possui o maior rebanho do Brasil, com 2 milhões de cabeças. Mantém cerca de 73% de sua área original de floresta, 60% dos quais consistem em áreas de proteção ambiental, incluindo Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Entre os resultados alcançados, destaca-se que 80% das fazendas privadas no município já estão registradas no CAR.
Em 2006, os dados indicavam uma área de 782 quilômetros quadrados de desmatamento no município. Em 2012, a área de desmatamento caiu para 166 quilômetros quadrados. A meta é, dentro de dois anos, expandir a produção atual de 0,8 cabeça/hectare para 3-4 cabeças/hectare.
Aliada à eficiência no campo e à agroenergia, a recuperação de áreas degradadas transformará o Brasil em credor no mercado de carbono mundial. Na verdade, a melhoria das pastagens e a recuperação de áreas degradadas, estabelecidas no Código Florestal e impulsionadas pelo uso de novas tecnologias, podem ajudar a pecuária a inverter a equação da emissão de GEE, tornando a atividade um sumidouro de carbono, e não mais uma fonte de emissões.
Todos os atores econômicos envolvidos no trabalho da Pecuária Sustentável sabem a dimensão exata dos pontos de estrangulamento para atingir metas. O grande desafio é a implementação de práticas sustentáveis da pecuária na região amazônica. Primeiramente, pelo tamanho territorial: apenas a título de comparação, a Colômbia tem 1,1 milhão de hectares, enquanto apenas o estado do Pará ocupa 1,2 milhão de hectares. Em segundo lugar, pela dimensão da cadeia de produção, que engloba desde o fornecimento de gado, o abate e a manufatura, até o varejo.
Obviamente existem ainda desafios imensos, que envolvem o acesso a crédito e a disseminação de tecnologia na produção, a segurança jurídica e mecanismos de gestão territorial. Porém, sabemos que, se continuarmos o trabalho que tem sido desenvolvido, o país será um líder no setor e um exemplo para o mundo. E, em um mundo em busca de modelos e lideranças, a experiência brasileira de construção de um consenso pode apontar um caminho.
* Fernando Sampaio é diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC) e integrante da Comissão Executiva do GTPS.