Importância da Brachiaria decumbens para o agro
A Brachiaria decumbens cv. Basilisk é, provavelmente, uma das gramíneas mais conhecidas e cultivadas em toda região tropical.
Originária do platô dos Grandes Lagos, em Uganda, foi levada para a Austrália em 1930 e reproduzidas por mudas, em um primeiro momento, até a quebra da dormência de suas sementes.
A partir de então, iniciaram-se os cultivos comerciais dessa espécie, que se espalhou rapidamente nos trópicos.
Foi introduzida no Brasil por Matão-SP e a grande expansão aconteceu entre 1968 e 1974, com a abertura do cerrado e o subsídio governamental (Propasto e Condepe) para ocupação do Centro-Oeste.
Graças à boa adaptação aos solos ácidos e de baixa fertilidade, a Brachiaria decumbens se deu bem nos solos do cerrado.
Sua alta agressividade facilitou o estabelecimento na competição com a vegetação nativa.
Porém, após algumas décadas de uso extensivo, seus pontos fracos ficaram mais evidentes e encontramos gargalos no uso dessa espécie.
Isso pode fazer com que a Brachiaria decumbens não seja a melhor opção para sistemas de produção mais intensivos.
Veremos a seguir as características dessa espécie e descobriremos se ela ainda pode ser viável.
Características agronômicas da Brachiaria decumbens
A Brachiaria decumbens apresenta hábito de crescimento prostrado, com altura média de 50 cm a 100 cm.
Ela emite grande quantidade de estolões, bem enraizados e com pontos de crescimento protegidos.
Ao contrário da brachiaria ruziziensis, a decumbens apresenta folhas curtas e eretas com bordas planas.
Brachiaria ruziziensis com folhas de bordas onduladas (a) e B. decumbens com folhas eretas e bordas planas (b) / (Fonte: Luís Arnaldo Zago Machado)
Por apresentar um alto vigor vegetativo, compete muito bem com outras plantas.
Apresenta boa tolerância a curtos períodos de estresse hídrico, requerendo 800 mm de água anualmente. Não é tolerante a solos encharcados.
Tem uma produtividade entre 8 e 10 toneladas de matéria seca por hectare/ano. Destes, aproximadamente 80% são de produção no período das “águas” e 20% na “seca”.
O florescimento da espécie é precoce e suas sementes apresentam dormência de até 12 meses. Tal condição, dificulta o controle do banco de sementes do solo e eventual erradicação da espécie.
Brachiaria decumbens no sistema de produção
Semear a Brachiaria decumbens e introduzi-la no sistema de produção pode ter duas finalidades: pastagem ou cobertura do solo. Veremos os dois casos a seguir!
Cobertura de solo
Como cobertura do solo, ela dá conta do recado! Tanto em consórcio, semeada com milho ou sorgo, ou em sobressemeadura na soja, produz matéria seca suficiente para a cobertura do solo durante a entressafra.
Porém, como tudo, existem prós e contras. E o principal ponto negativo de usar a Brachiaria decumbens como cultura de cobertura é a difícil erradicação dessa espécie.
Além de ser classificada como de “controle moderado” nos trabalhos de Ceccon (2014), seu banco de sementes com dormência prolongada faz com que seja difícil controlar suas brotações na área.
Esses pontos citados acima são cruciais para recomendação dessa planta como cultura de cobertura. Com isso, outras espécies de braquiárias, como a ruziziensis, podem se encaixar melhor nessa função.
Agora vamos avaliar o segundo cenário para introduzir a decumbens no sistema de produção: como pastagem para animais.
Pastagem
Apesar dos aspectos nutricionais das espécies de braquiárias mais utilizadas serem bem parecidos, as respostas delas são diferentes quanto à intensificação do sistema.
A Brachiaria decumbens tem menor potencial produtivo quando comparada com cultivares da espécie brizantha e menor resposta à adubação.
Recomendação de adubação nitrogenada para o gênero Brachiaria, de acordo com o grau de adaptação às condições de fertilidade do solo / (Fonte: Costa et al., 2006)
Dessa forma, quando se trata de introduzir uma forrageira para integração entre lavoura e pecuária, o melhor é utilizarmos uma espécie que terá maior potencial produtivo aliado à maior eficiência na utilização do adubo remanescente da lavoura.
Médias das porcentagens de material verde e de folha, disponibilidades (kg de matéria seca/ha) de material verde e de folha em pastagens de Brachiaria decumbens cv. Basilisk e B. brizantha cv. Marandu sob pastejo contínuo nas águas / (Fonte: Euclides et al., 2000)
Um empecilho na formação de pastagens a partir de Brachiaria decumbens é a sua suscetibilidade à cigarrinhas das pastagens.
No caso da Brachiaria decumbens ou B. ruziziensis, que também é suscetível, esse fator não é um problema quando o foco é apenas produção de palha ou pastagem de entressafra.
Mas, com o objetivo de formar uma pastagem para utilização ao longo dos anos, a suscetibilidade pode ser fator crucial.
Brachiaria decumbens: Intoxicação
Outra característica importante dessa forrageira, e que deve ser levada em conta na hora da escolha do pasto, é o fungo Pithomyces chartarum. Esse fungo é responsável pela produção da micotoxina esporidesmina, que pode causar a fotossensibilização nos bovinos.
A Brachiaria decumbens é portadora desse fungo que, se ingerido, afeta o fígado e as glândulas do animal. Isso causa perda de pigmentos e consequentes lesões.
(Fonte: Knupp et. al)
Lesões causadas por fotossensibilização em bovinos / (Fonte: Seixas et. al)
Os casos de intoxicação de animais cresceram na década de 1980 junto com a expansão da área plantada dessa forrageira.
Contudo, a utilização desse capim vem caindo em desuso, correspondendo a 7% apenas do comércio de sementes forrageiras hoje.
Estimativa da participação das espécies e cultivares de forrageiras tropicais na comercialização de sementes no Brasil /(Fonte: Andrade, 2001)
Conclusão
Não podemos relevar a importância histórica da Brachiaria decumbens na construção do sistema de produção pecuário no Brasil.
Contudo, após o lançamento de novas espécies e cultivares de forrageiras tropicais – e com a pressão crescente pelo aumento de produtividade das áreas – ela talvez não seja hoje a espécie mais recomendada.
O histórico dessa espécie está associado às áreas recém abertas, com alta acidez e baixa fertilidade. E isso não corresponde mais à média dos nossos sistemas de produção.
Atualmente os solos de agricultura recebem altas doses de calcário, gesso e adubos. E essa é a tendência para os solos da pecuária e dos sistemas de integração também.
Dessa forma, a Brachiaria decumbens, que antes nos permitiu ocupar o cerrado, pode agora abrir o caminho para espécies mais adaptadas ao nosso ambiente de produção mais intensivo.