“A ferrugem asiática da soja, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, segue sendo uma das, se não a principal preocupação dos produtores, especialmente na região Sul do Brasil. Os danos causados pela doença são variáveis entre cultivares, regiões e safras, mas podem atingir até 90%. Na média das últimas 10 safras, a cada 1% de incremento na severidade de ferrugem foram perdidos entre 20 e 50 kg ha-1. Apesar de a doença estar um pouco esquecida na região Sul, em função de três safras subsequentes sob influência do fenômeno La Niña, a ferrugem retorna na safra 23/24 com força total.
Isto porque o El Niño, fenômeno predominante desde o mês de setembro de 2023, resulta em maior distribuição de chuvas na região Sul e menor na região Centro-Oeste. As primeiras colheitas de soja no Mato Grosso registram baixas produtividades em função de uma das maiores secas já observadas. No Sul, a elevada precipitação, associada à ausência de geadas e a presença de soja voluntária no campo, favoreceu a manutenção de inóculo de ferrugem na entressafra. Pelo excesso de chuvas no Rio Grande do Sul, a colheita do trigo foi atrasada e consequentemente, a semeadura de soja, que se concentrou em janela curta, praticamente no mês de dezembro de 2023, coincidindo com os primeiros casos de ferrugem em lavouras comerciais do RS. O triângulo de doenças para a safra 23/24 está completo, resultando em maior favorabilidade para ocorrência de epidemias na região Sul, não só da ferrugem asiática, mas de outras doenças importantes para a soja, como as manchas foliares.
Cenário similar foi observado na safra 18/19, que teve expressiva ocorrência de ferrugem em diversos estados brasileiros. No RS, que contou com níveis de chuva acima da média na primavera de 2018, a ferrugem também foi identificada no mês de dezembro, o que levou o RS a ser o estado recordista nos casos de ferrugem relatos no site do Consórcio Antiferrugem daquela safra (RS 127 vs. 58 do PR e 54 do MS).
O gráfico abaixo traz as ocorrências de ferrugem da soja reportadas no site do Consórcio entre os meses de outubro e janeiro, a partir da safra 18/19. A análise dos primeiros casos reportados corrobora com a expectativa de grande pressão de ferrugem no RS na safra 23/24, visto que o número de casos reportados agora em dezembro foi similar ao de casos reportados em dezembro de 18/19 (27 vs. 25) (Figura 1). Soja no início do ciclo de desenvolvimento, a presença de inóculo de ferrugem e altas temperaturas aliadas às chuvas frequentes tornam o cenário desafiador para o produtor, uma vez que este ainda tem na memória safras recentes em que a ferrugem não foi a principal doença.
Os esporos de P. pachyrhizi disseminam-se facilmente a longas distâncias através de correntes de vento. Em condições favoráveis, cerca de sete dias separam o contato dos esporos com as folhas das primeiras lesões esporulantes, o que torna a evolução rápida e a doença extremamente destrutiva. Por isto, o controle de ferrugem deve ser, sempre que possível, preventivo, ainda no estádio vegetativo e antes do fechamento de linhas. Atrasos nas aplicações podem levar a dificuldades no manejo da doença e perdas certeiras na produção.
Os fungicidas utilizados para controle da ferrugem enquadram-se em quatro grupos químicos distintos, sendo três deles de fungicidas sítio-específicos (que atuam sobre processos metabólicos específicos do fungo) e um de fungicidas multissítio (atuantes em mais de um processo metabólico). Os sítio-específicos incluem os fungicidas que atuam na biossíntese de esteróis na membrana, como triazóis (Inibidores da Desmetilação – IDM) e morfolinas, que apresentam ação principalmente curativa; as estrobilurinas (Inibidores da Quinona externa – IQe) e as carboxamidas (Inibidores da Succinato Desidrogenase – ISDH) que atuam na respiração e possuem ação preventiva. Os fungicidas multissítio incluem os fungicidas inorgânicos, as isoftalonitrilas e os ditiocarbamatos, também de ação preventiva.
A combinação de distintos grupos químicos, que atuam em diferentes fases do ciclo de desenvolvimento do fungo, contribui para o melhor controle de doenças, além de auxiliar no manejo de resistência. Isto é extremamente relevante, visto que o controle da ferrugem da soja está cada vez mais difícil em razão do fungo P. pachyrhizi apresentar menor sensibilidade aos principais fungicidas sítio-específicos utilizados no manejo (triazóis, estrobilurinas e carboxamidas).
Em trabalho recente, Stilgenbauer et al., (2023) relataram novas mutações (V130A, I145V e F154Y) aos fungicidas IDM, que incluem os ingredientes ativos mais efetivos dentro deste grupo, o protioconazol e o tebuconazol. Agora, um total de nove mutações foram identificadas no gene cyp51 (necessário para a rota de síntese de ergosterol em fungos) de P. pachyrhizi (F120L, V130A, Y131F/H, K142R, I145V/F, F154Y, I475T), presentes em diferentes combinações. As combinações de mutações recentemente identificadas F120L + V130A + Y131F, F120L + Y131H + I145V e F120L + Y131H + F154Y estão associadas a diferentes sensibilidades aos IDM. O reflexo na variação de eficiência dos fungicidas triazóis entre distintas regiões reforça a necessidade de rotação desses dois ingredientes ativos em programas de controle da ferrugem.
Diante destas e das demais mutações que conferem menor sensibilidade aos fungicidas dos grupos IQe (F129 L) e ISDH (C-I86F), a recomendação do FRAC-BR vai além de rotacionar diferentes mecanismos de ação ou grupos químicos, inclui a importância de rotacionar os ingredientes ativos dentro do mesmo mecanismo de ação ou grupo químico (rotação entre distintos triazóis, estrobilurinas e carboxamidas).
Apesar dos relatos de menor sensibilidade, todos os grupos químicos são úteis no manejo de ferrugem. Quando utilizados em associação há sinergismo, maior residual e complementação dos modos de ação, com efeito sobre diferentes fases do processo infecioso do fungo (Figura 2).
A utilização de fungicidas multissítio (com efeito protetor) em associação aos fungicidas sítio-específicos em todas as aplicações é imprescindível, não apenas por contribuir no manejo de resistência, mas por reforçar o controle de doenças, atuando de forma direta sobre o principal componente de progressão da ferrugem, a formação e germinação de esporos, contribuindo para a redução da taxa de infecção de P. pachyrhizi. A rotação de distintos multissítios também é interessante, visto que existem diferenças no espectro de controle entre os fungicidas mais utilizados em soja: mancozebe, clorotalonil e oxicloreto de cobre. A ferrugem não é a única doença a incidir na soja e o espectro de ação dos produtos deve ser levado em consideração na escolha dos melhores parceiros para cada fase do ciclo da cultura. Atualmente, a existência de produtos já contendo multissítios na formulação facilita a rotina das aplicações.
Além das medidas já citadas, o vazio sanitário, a utilização de cultivares de ciclo precoce, semeadas no início do período recomendado para plantio, o uso de cultivares com genes de resistência, o monitoramento da doença, a utilização de fungicidas nas doses e intervalos recomendados pelos fabricantes e a adoção de tecnologia de aplicação adequada, contribuem para o manejo mais eficiente da ferrugem da soja (Godoy et al., 2023).
A cada ano ajustes são necessários. Fica claro que esta não é uma safra para olhar pelo retrovisor. As semeaduras tardias e a grande pressão de inóculo de ferrugem requerem manejos antecipados, robustos e assertivos a fim de manter bons níveis de produtividade nas regiões em que a chuva não faltará.
*Por Caroline Wesp Guterres, Professora Adjunta no Departamento de Fitossanidade da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)”
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