Agricultura – 18 de janeiro de 2020
O fungo Fusarium verticillioides, causador de podridões em milho, é também responsável pela produção de fumonisinas, grupo de micotoxinas tóxicas e altamente nocivas à saúde humana e animal. Quando apresentam alto teor, resultam ainda na imposição de barreiras comerciais que prejudicam a lucratividade do produtor. Seu manejo exige medidas corretas adotadas tanto na fase de campo quanto no armazenamento dos grãos.
Com 80 milhões de toneladas produzidas na safra de 2012/13, o Brasil se destaca como o terceiro maior produtor mundial de milho. Recentemente passou a ser não só um fornecedor deste grão para o consumo interno, mas também um país exportador, sendo atualmente o terceiro maior exportador mundial, com mais de 15 milhões de toneladas exportadas. Atualmente as exigências sobre qualidade dos produtos, não só destinados à exportação, mas também para o consumo interno, vêm se tornando cada vez mais rigorosas, principalmente aquelas voltadas à qualidade sanitária dos grãos e aos teores de micotoxinas.
Deste modo, por ser uma cultura amplamente cultivada no Brasil, sob diversas condições climáticas, as plantas estão sujeitas ao ataque de um número elevado de patógenos que são responsáveis por podridões de espiga, com consequente acúmulo de micotoxinas. O fungo Fusarium verticillioides (Saccardo) Nirenberg é o patógeno mais frequentemente associado a grãos de milho, causando podridões de grãos e espigas. F. verticillioides, além de ser encontrado com alta frequência, é a espécie com maior potencial de produção das fumonisinas, o grupo de micotoxinas mais importante para a cultura do milho. As fumonisinas são tóxicas para os seres humanos, sendo, principalmente, relacionadas ao câncer de esôfago. São tóxicas, também, aos animais, sendo associadas, principalmente, ao edema pulmonar em suínos, à encefalomalacia em equinos, e a problemas generalizados em aves.
Em razão destes problemas, nos últimos anos, órgãos governamentais têm monitorado a qualidade de lotes de grãos de milho, sobretudo quanto aos teores de fumonisinas. O Ministério da Agricultura e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceram o limite de tolerância de 2µgg-1 para fumonisinas em grãos de milho (Diário Oficial da União, 2011). Este limite muitas vezes motiva barreiras para a exportação e o comércio nacional de lotes de grãos de milho, gerando grandes perdas aos produtores.
Diante das barreiras comerciais impostas pela agroindústria e pelos órgãos governamentais, estratégias de manejo para a diminuição dos teores de fumonisinas têm sido estudadas ao longo dos anos, sendo fundamentais para obtenção de grãos de milho com baixos teores de fumonisinas.
Manejo de fumonisinas
A produção e consequente acumulação de fumonisinas em grãos de milho podem ocorrer tanto em fase de campo quanto nos grãos armazenados. Existem diferentes tipos de estratégias de manejo para as diferentes fases.
Para o manejo de fumonisinas no campo, é considerado como principal metodologia o uso da resistência genética. A herança da resistência genética a F. verticillioides tem sido estudada ao longo dos anos, utilizando tanto sintomas visuais quanto infecções assintomáticas. Porém, a maioria das empresas desenvolvedoras de genótipos de milho emprega somente como metodologia de seleção o descarte de genótipos que são altamente suscetíveis por apresentarem sintomas visuais. Essa metodologia apresenta um grave problema, pois se baseia em taxas visuais de doença, o que nem sempre reflete as infecções assintomáticas ou os níveis de fumonisinas, descartando possíveis genes de resistência específicos à acumulação de fumonisinas.
No entanto, alguns relatos de genótipos com níveis aceitáveis de resistência, tanto à infecção por F. verticillioides como à acumulação de fumonisinas, já podem ser encontrados na literatura.
Outra metodologia que pode ser utilizada no manejo integrado de fumonisinas em milho é a adoção de genótipos transgênicos, principalmente Bt. Resumidamente, genótipos de milho Bt são cultivares que receberam genes de uma bactéria chamada Bacillus thuringiensis, e tornaram-se capazes de sintetizar uma proteína derivada desses genes, conhecidos como CryIA. Em ordem, a proteína Cry é tóxica a certos tipos de insetos, principalmente aqueles que utilizam o milho em sua alimentação. Tais insetos muitas vezes abrem portas para a entrada de F. verticillioides ou proporcionam um ambiente favorável para o desenvolvimento dele, causando assim um aumento nos teores de fumonisinas. Consequentemente, genótipos que são denominados Bt muitas vezes são resistentes à infecção e acumulação de fumonisinas. Porém, ainda é alvo de muita especulação a utilização de genótipos de milho Bt no manejo de fumonisinas em milho, pois, mesmo com estes genótipos, ainda são detectados em alguns casos, altos teores de fumonisinas nos grãos em plantios convencionais. Basicamente, estudos voltados para a ação direta desses genes sobre a colonização de F. verticillioides e acumulação de fumonisinas em milho ainda devem ser realizados.
A escolha da densidade de plantio também pode ser adotada como uma metodologia de controle de fumonisinas. Trabalhos recentes relatam que os teores de fumonisinas em densidade de 65 mil plantas/ha podem ser duplicados quando adotada densidade de plantio de 85 mil plantas/ha, ou seja, quando há adensamento de plantas.
Outro aspecto importante a ser abordado é o combate de fumonisinas em grãos de milho utilizando controle químico. Existem vários relatos na literatura sobre o efeito da aplicação de fungicidas no controle de fumonisinas em milho, porém, são trabalhos que apresentam resultados pouco conclusivos. No último ano, na Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas, Minas Gerais, foi conduzida uma série de três experimentos utilizando vários fungicidas para o controle de grãos ardidos e fumonisinas em milho. Os resultados deste trabalho foram conclusivos, indicando que os fungicidas existentes no mercado aplicados via foliar de maneira convencional, independentemente do número de aplicações, não foram capazes de controlar os teores de fumonisinas nos grãos.
Contudo, os teores de fumonisinas podem ser influenciados por condições ambientais, principalmente por períodos de veranicos durante a fase de enchimento de grãos e chuvas na fase de secagem na planta, o que proporciona aumentos nos teores desta importante micotoxina. No entanto, o correto manejo da irrigação, evitando o estresse hídrico, também pode ser utilizado para reduzir os riscos de contaminação por fumonisinas.
Na colheita, beneficiamento e armazenamento
Muitas espécies de fungos toxigênicos, como F. verticillioides, que colonizam os grãos, são bem adaptadas a se desenvolver em substratos com baixa umidade. Por esta razão, o atraso da colheita pode resultar em aumento da contaminação com fumonisinas, principalmente quando ocorrem chuvas depois da fase de maturação dos grãos. Apesar de a cinética da produção de fumonisinas em milho ainda ser objeto de estudos, tem sido relatado que F. verticillioides pode crescer em grãos até que o teor de água atinja 18% a 20%. Porém, para um bom armazenamento de grãos, é amplamente aceito que o teor de água não ultrapasse 15%.
Durante a colheita, é importante ajustar corretamente as colheitadeiras para evitar o dano em excesso aos grãos, o que pode predispor à infecção durante o armazenamento, pois os mais altos níveis de fumonisinas muitas vezes estão associados aos grãos quebrados e danificados por insetos. Em geral, a diminuição dos teores de fumonisinas pode chegar a 60% com a retirada de grãos danificados. O ajuste cuidadoso da colhedora ou da mesa densimétrica pode eliminar esses grãos contaminados, respectivamente, ainda no campo ou no beneficiamento, com o mínimo de perda de grãos sadios. No entanto, grãos sadios podem carregar altos teores de fumonisinas, assim, a retirada de grãos danificados pode ser uma estratégia para reduzir os teores de fumonisinas, porém, nem sempre tão eficaz.
No armazenamento, o desenvolvimento de fungos toxigênicos, como F. verticillioides, é influenciado pela atividade de água, temperatura do substrato, danos nos grãos, aeração, inóculo fúngico, interações com outros organismos e insetos. Entretanto, a acumulação de fumonisinas depende primeiramente do controle da umidade. Porém, se houver atividade de insetos, roedores ou algum outro fator que cause alteração nos teores de água, a acumulação de fumonisinas pode ocorrer.
Os agentes antifúngicos de baixa toxicidade podem ser utilizados para complementar as boas práticas de manejo de fumonisinas, mas não como um substituto das outras práticas que objetivem alimentos de alta qualidade. O crescimento de fungos e a contaminação por micotoxinas de grãos de elevada umidade podem ser prevenidos com ácido propiónico ou misturas de ácido acético e propiónico. Sprays líquidos são geralmente mais eficazes que as formulações secas de ácido propiónico, mas as formulações secas são mais fáceis de usar.
Fabrício Eustáquio Lanza, Pós-doutorando Universidade Federal de Viçosa; Dagma Dionísia da Silva, Pesquisadores Embrapa Milho e Sorgo; Rodrigo Véras da Costa, Pesquisadores Embrapa Milho e Sorgo; Luciano Viana Cota, Pesquisadores Embrapa Milho e Sorgo; Laércio Zambolim, Professor Universidade Federal de Viçosa; Elaine Aparecida Guimarães, Doutoranda, Universidade Federal de Lavras
Artigo publicado na edição 193 da Cultivar Grandes Culturas.